OS KAINGANGS EM CAMPO ERÊ.

A história do contato entre os Kaingang e os colonizadores europeus teve início ainda no século XVI, quando alguns grupos que viviam mais próximos ao litoral atlântico tiveram contatos com os primeiros portugueses. No entanto, os registros históricos dessa época não especificam com segurança aqueles grupos que eram os ancestrais dos atuais Kaingang.Pelos escritos de Montoya (1985 [1639; 1892]), fica evidente que muitas populações indígenas reduzidas foram atingidas por diversas epidemias e houve grande prejuízo demográfico. Os padres Ruiz de Montoya e Dias Taño visitaram os Gualachos e os Guaianá no alto Uruguai quando grassava uma epidemia. Mota (1997) resgata o registro de que o cacique Kanha-fé, que nasceu nos campos de Kavarú-koyá (extremo sudoeste do atual Estado de Santa Catarina), e seus antepassados lá estavam antes da chegada dos jesuítas e ali continuaram depois de sua expulsão.

No período após a destruição das reduções jesuíticas verifica-se a expansão e presença dos Kaingang nas terras de planalto no Sul do país, em áreas de florestas subtropicais e de araucária, desde o Estado de São Paulo aos estados da região Sul, quando as expedições de reconhecimento e início das primeiras investidas contra os territórios indígenas provocaram violentas reações por parte dos habitantes kaingang e xokleng.

As primeiras tentativas de conquista e ocupação efetiva dos campos e florestas pertencentes aos Kaingang se iniciam na província do Paraná (que incluía a maior parte do Estado de Santa Catarina), na segunda metade do século XVIII, com a organização de expedições de conquista. Foram onze expedições organizadas entre 1768 e 1774, pelo Tenente-coronel Afonso Botelho com o objetivo de reconhecer e tomar posse das pastagens naturais existentes no interior da Província. Em 1770, a expedição comandada pelo Tenente Bruno Costa chegou aos campos de Koran-bang-rê (atual Guarapuava). Mais duas chegaram em 1771, uma comandada pelo sertanista Martins Lustosa e outra pelo Tenente Cândido Xavier. Os armamentos incluíam peças de artilharia e todas as armas de guerra da época. Os contatos com os Kaingang do Koran-bang-rê, como resultado da distribuição de presentes, foram inicialmente amistosos. Mas a reação indígena não tardou, ao desconfiarem que a amizade oferecida pelos brancos não era bem intencionada.

Ficaram famosos na história regional os põ’í que, em diferentes momentos, colaboraram no processo de conquista: no Paraná e Santa Catarina – Condá, Viri e Doble; no Rio Grande do Sul – Condá, Nonoai, Fongue, Nicafi (também grafado Nicaji, Nicofé, Nicafim), Braga e Doble.

Sobre a conquista dos territórios kaingang no Paraná Mota (1994; 1998) foi o pesquisador que estudou mais detalhadamente os eventos históricos do contato e as estratégias utilizadas pelas autoridades políticas indígenas que, através de intensas negociações junto aos governos, conseguiram garantir, parte de seus territórios, até os dias atuais. Para a reconstituição da história kaingang no Rio Grande do Sul temos a pesquisa de Becker (1975) e de Simonian (1981; 1994a; 1994b; 1994c) e em Santa Catarina temos a contribuição de D’Angelis (1984; 1994).

A expansão paulista é a ponta de lança para a conquista das terras indígenas do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Uma estrada, ligando Palmas a Corrientes, na Argentina, foi iniciada em 1857 sob a responsabilidade do engenheiro Hégrèville. A estrada passava pelos Campos do Erê e foi financiada pela Província de São Paulo que tinha interesse nos animais, principalmente cavalos e mulas, destinados as plantações de café em expansão no Estado. Essa estrada encurtava em muito o trajeto entre os campos de Corrientes e de São Paulo, grande comprador de animais na época. Era comum habitantes de Campo Erê ter relações comerciais com a Argentina, onde se vendia erva mate e se comprava animais e porcos criados pelos “safristas”. Campoerenses tinham negócios em Possadas, atual capital da Província de Missiones.

A ocupação dos Campos Gerais foi retomada em 1810, quando nova expedição retornou para os campos de Koran-bang-rê, com o claro objetivo de obter a vitória contra os índios. Não se tratava mais de escravizar índios ou vendê-los como escravos, mas sim de conquistar suas terras, primeiro as áreas de campos que podiam imediatamente servir como pastagens para os rebanhos que acompanhavam as expedições. Depois de três meses de guerras e batalhas sangrentas, os Kaingang dos Koran-bang-rê foram derrotados pelas tropas comandadas por Diogo Pinto de Azevedo.

Consolidada a vitória, fazendas foram instaladas nos territórios de Koran-bang-rê e a partir dos contatos estabelecidos com os índios vencidos, estes foram informando aos fazendeiros da existência de outros campos a oeste e sudoeste. Foi assim que, em 1839, os fazendeiros conquistaram e ocuparam os campos de Kreie-bang-rê. No centro de Koran-bang-rê surgiu a cidade de Guarapuava e no Kreie-bang-rê surgiu Palmas, encobrindo prática e simbolicamente os territórios kaingang.

Vários caminhos foram sendo abertos em direção a São Pedro do Rio Grande do Sul (hoje Estado do Rio Grande do Sul). Nos anos de 1830 buscava-se uma ligação entre as vilas de Guarapuava (no Koran-bang-rê) e de Palmas (no Kreie-bang-rê) e, em 1842, uma via ligando esta a Curitiba. Em 1860 o governo autorizou a abertura de uma estrada entre Kreie-bang-rê e Corrientes, Argentina, passando por vários territórios kaingang, como Kampo-rê e Kavarú-koyá. Nessa época, as terras de Kavarú-koyá eram habitadas pelo grupo do cacique Fracrân (também conhecido como Endjotoi). Em 1865, este grupo foi contatado pela expedição do engenheiro Morais Jardim e, apesar da resistência à ocupação, foi derrotado pelo grupo de Kondá, que trabalhava para os brancos.

Kondá também ajudou na conquista de Kampo-rê (SC) e de Nonoai (RS). Depois do rompimento com Virí, seu subordinado, foi viver nos campos do Chopim. Mais tarde, tornou-se o líder dos Kaingang de Nonoai e fez aliança com o governo do Rio Grande do Sul, fixando-se nos campos do Goio-en. Na condição de funcionário do governo (recebia soldo do governo), auxiliou na abertura de uma estrada ligando Kampo-rê (Campo-erê) a Kreie-bang-rê (Palmas) e, junto com o engenheiro Hegrévillè, na abertura da estrada ligando Palmas a Corrientes, Norte da Argentina.

Os Kaingang no Rio Grande do Sul foram catequizados e aldeados no mesmo tempo que os do Paraná e Santa Catarina. A abertura de uma estrada ligando Palmas às terras das Missões riograndenses era vital para a sua incorporação ao território brasileiro. Em 1845, o Alferes Francisco da Rocha Loures foi encarregado desta tarefa. Sabendo que teria de atravessar terras kaingang, Loures contratou Kondá para ajudá-lo, não só por conhecer os locais dos alojamentos mas também para garantir segurança à expedição e tentar convencer os índios a se aldearem. O governo, paralelamente, mandou missionários para a região de Nonoai para promover o aldeamento e a catequese.

Conquista dos Campos de Guarapuava. O Capitão Carneiro que passou alem do rio com outros Camaradas, ficando estes mortos, fugindo.

 

Pesquisa: Nelson Tresoldi